Bernardo, um caboclo matuto como muitos que vivem por esses brasis afora, com os seus casos e suas histórias. Algumas inventadas pela sua imaginação outras adaptadas de outros contos que ouvia. Analfabeto como a maioria de sua época tinha na memória um grande acervo de histórias que estava pronto a contar para a criançada em noites escuras ou de lua cheia. Vou contá-las como ouvi:
HISTORIAS
O fazendeiro avarento.
Era mais um final de tarde como tantos. O inverno chegara e o frio castigava naquela serra. E quando ao entardecer o céu azulava, de um azul tão intenso, que não se via uma nuvenzinha branca sequer, podia esperar, que aquela noite seria de muito frio, de um frio tão cortante como o azul infinito daquele céu.
A lenha já estava a queimar no fogão e servia tanto para cozinhar, como para aquecer. As crianças se recolheram mais cedo, logo cairia a noite. Pouco antes do anoitecer Bernardo chega, se aproxima das chamas e aquece as mãos que estavam dormentes de tanto frio. O ritual era o mesmo de todos os dias: sua higiene e logo após um cafezinho fresquinho. Jantaram e ficaram ali pela cozinha aquecendo-se com o fogo que ainda ardia na boca do fogão. As crianças se enrolavam em cobertores e esperavam Bernardo começar uma de suas histórias ou alguma aventura que vivera. Ele finalmente fala:
- hoje vou contar um caso bem curtinho e depois todos para a cama, antes que queime toda a lenha que está no fogão e esfrie ainda mais.
Os olhinhos brilhantes das crianças pareciam com as estrelas que brilhavam lá do alto, com um brilho tão intenso, que dava a impressão que elas também chegavam mais perto para ouvirem Bernardo.
"Era uma vez, morava por estas bandas um fazendeiro muito avarento.Apesar de possuir muitas terras e um pomar de laranjas muito grande, não permitia que seus empregados tocassem sequer em uma laranja. Aquele ano o pomar estava uma lindeza só, as laranjas doces como mel. O fazendeiro colocava seus capatazes para vigiar os empregados dizendo:
- Não deixe que chupem nem uma laranja; são todas minhas. Vigiem de dia e de noite, estes safados querem me roubar, não lhes dê chance. E terminava praguejando:
- eu já lhes pago o suficiente.
Só que o tal fazendeiro era tão avarento que nem o salário justo pagava. Dava alguns réis para eles e que se virassem, nas suas terras não iam plantar e nem colher nada.
Os meninos, filhos dos empregados viam aquelas laranjas e estavam com muita vontade de chupar pelo menos uma. Mas qual, se aproximassem o capataz lhes cobriam no reo.
De tanto eles olharem de longe o pomar e vê seus pais trabalhando de sol a sol sem ter direito algum, um dos meninos teve uma grande ideia. Chamou todos os outros meninos da fazenda e contou o plano que tinha para chegar ao pomar e botar o capataz para correr. Disse:
- hoje quando anoitecer, vamos nos encontrar aqui, todos tem que usar uma capa e um capuz preto e trazer uma vela.
Quando a noite chegou de todos os lados da fazenda aparecia meninos vestidos de preto com um capuz tampando o rosto e uma vela. Se encontraram no lugar combinado, acenderam as velas e saíram em procissão um atrás do outro. O que ia na frente cantava com uma voz cavernosa assim:
- No tempo que nós era vivo, nós comia desse fruto!
Os outros em coro respondiam:
- agora não como mais, nós somos todos defuntos.
E assim, ia aquela estranha procissão se aproximando do pomar. O capataz quando viu aquilo se apavorou e sebo nas canelas, saiu correndo e deve estar correndo até hoje.
Os meninos livres dele, subiram nos pés de laranja e mataram a vontade, chupando quantas laranjas puderam.
Ainda hoje, quem passa por aquelas redondezas ouvem falar naquelas assombrações horripilantes, que deu um prejuízo enorme para o avarento fazendeiro. E alguns juram que escutam em noite escura aquele terrível canto e vêem as luzes das velas caminhando para o pomar.
O fazendeiro, não conseguiu mais nenhum capataz para vigiar seus empregados e assim resolveu ir embora, abandonando tudo que tinha."
Glossário:
reo - espécie de chicote
réis - moeda usada na época
sebo nas canelas - saiu correndo
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