HISTORIAS

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Os três conselhos!

Após uma pausa volto para contar mais uma das histórias que Bernardo contava. Viajar por estas histórias é reviver cenas do cotidiano vivido por ele e sua família, em especial as crianças público alvo de suas histórias.
É começo de inverno, o ano é 2013. Nosso País é sacudido por manifestações populares. Após longos anos de silêncio, o povo volta as ruas em protesto contra os altos custos dos transportes, a baixa qualidade na saúde e educação e principalmente contra a corrupção, um câncer difícil de ser extirpado da sociedade brasileira.
 Bernardo já sofrera com tudo isso, só que calado sem voz nem vez e sem entender as causas de tanto sofrimento do seu povo. Ele não lutava por educação melhor, pois não  conhecia nenhuma escola, não lia nenhum livro, era analfabeto. Sua luta cotidiana era pela alimentação, por um abrigo feito de palhas de sapê, bambu e barro, por lenha para aquecer e cozinhar os alimentos.
Viveu a ditadura militar sem nada entender, não exercia o poder de voto, não era cidadão. Mas ele viveu e nos ensinou muito com suas histórias e sua vida. Caboclo destemido, sem medo na luta ferrenha pela sobrevivência.
Esta é uma de suas muitas histórias que encantava as crianças:
"Era uma vez um rapaz que se chamava João, muito jovem e bonito apaixonou-se por uma linda jovem. Casaram e após dois meses, ele vendo que a vida em seu lugar era muito dura e sem retorno algum de seus esforços para viver melhor resolveu juntamente com um amigo partir em busca de seus sonhos. Era mais ou menos como os nordestinos vindo para o sudeste em busca de emprego. Deixou para trás sua esposa e partiu sem ter um tempo marcado para volta.
João e seu amigo caminharam por vários dias se afastando muito de onde viviam, bateu em várias portas pedindo um trabalho, mas nada encontrava.
Até que um dia eles viram uma fazenda muito grande e próspera resolveram entrar e pedir trabalho. O fazendeiro, um estrangeiro rico proprietário, os recebeu em seu escritório ouviu o pedido de emprego e fez uma proposta a qual os dois aceitaram: iriam trabalhar para ele por dez anos recebendo uma quantia, se eles se saíssem bem renovaria este contrato por mais dez anos com um aumento significativo no salário. Só que este dinheiro só seria pago ao final do contrato. Eles teriam tudo para sobreviver na fazenda: alimentos, casa e comida farta. Pelas contas que fizeram viram que economizando assim poderiam voltar para casa com dinheiro suficiente para comprar umas terras e começarem suas próprias fazendas.
E assim se passaram vinte longos anos, sem notícia alguma de sua mulher. Só a saudade que batia em seu peito e fazia com que ele a visse bela como nunca em seus sonhos.
No dia do acerto das contas o fazendeiro disse-lhes que tinha mais uma proposta a fazer: ou eles pegavam o pagamento pelos serviços prestados ou ouviam três conselhos e iam embora.
O amigo de João ficou revoltado e disse que queria seu dinheiro imediatamente, João no entanto, pensou a respeito e resolveu aceitar os conselhos, pois durante anos observara como seu patrão agia e como era sábio em seus negócios para progredir tanto.
No dia seguinte ao amanhecer ele acertou as contas com o amigo de João pagou tudo o que havia combinado e despediu-se. Em seguida pediu para João entrar e deu os seguintes conselhos a João:
 1º - Não pegues nenhum atalho em sua volta para casa.
2º - Se ficar com raiva de alguém que pense três vezes antes de puxar uma arma.
3º - Deu-lhes dois pães um menor para ele comer na viagem e um maior muito pesado que ele só deveria partir junto de sua esposa.
Despediram-se e João pôs-se a caminho de volta para casa com os dois pães e os conselhos.Seu amigo ria de rolar, pois  ao seu ver o João tinha sido passado para trás trabalhado tanto para sair apenas com aqueles pães.
Distanciaram da fazenda já estavam a três dias na estrada e sentiam-se muito cansados, foi quando viram um atalho que se pegassem pouparia muito tempo.O amigo de João quis pegar o atalho, mas João recordando o conselho do fazendeiro se negou a acompanhá-lo. Despediu-se do amigo e continuou seu caminho atravessando um longo e escuro túnel. Foi aí que ouviu ao longe uns disparos e uns cavalheiros fugindo em disparada levantando poeira. Só então ele se deu conta que seu amigo caíra em uma armadilha e pagou com a vida e com o dinheiro que recebera.
Sem se voltar apressou os passos e continuou sua caminhada rumo à sua casa.
Andou ainda por vários dias chegando em sua casa ao entardecer. Nada tinha mudado ali. A casinha simples rodeada de flores que sua amada cuidava com tanto carinho. O tempo  parecia ter parado no dia da sua partida, o perfume das flores, o murmurinho do riacho correndo tranquilo, só seu coração batia mais forte parecendo um trovão dentro de seu peito. João aproximou-se estava a poucos passos de reencontrar sua amada, sua mão erguia-se trêmula de emoção para tocar a porta que o separava de seu grande e eterno amor.
Foi então que ouviu vindo da casa risos e conversas alegres, abaixou-se com o coração aos pulos e olhou pela fresta da porta o interior da casa. Lá estava ainda mais bela a sua amada sorrindo para um lindo rapaz que em seu colo acariciava seus cabelos.
O mundo caiu para João que sentiu seu sangue ferver, seus olhos ardiam de raiva ao ver aquela cena, puxou seu revólver e mirou naquele rapaz que lhe roubara a amada. No entanto, mais uma vez lembrou-se do conselho do fazendeiro  e abaixando a arma pensou três vezes no que fazer. Foi aí que a porta se abriu e sua mulher correu para seus braços cobrindo-o de beijos e lágrimas de tanta emoção ao vê-lo depois de tantos anos. Passado o primeiro momento chamou o rapaz que permaneceu ao lado e disse-lhe: venha meu filho abrace o seu pai que finalmente voltou para nós.
De tanta emoção João esqueceu-se completamente do outro pão que trazia. Lembrando-se no dia seguinte chamou a mulher e o filho e após contar para eles sua aventura partiu o grande e pesado pão e qual foi sua surpresa quando viu que o pão estava recheado com moedas de ouro e prata numa quantia que garantiria seu futuro e o futuro de seu filho e toda sua geração futura".
Este era o pagamento pelo seu trabalho, pois de nada adianta trabalhar e não pensar antes de tomar decisões importantes na vida.