HISTORIAS

HISTORIAS

O sono da cobra


Bernardo acordou no meio da noite, e sentiu no ar aquele cheiro pavoroso, que só ele um caboclo acostumado a viver naquelas serras poderia sentir. De um pulo levantou-se tocando levemente a mulher, que acorda assustada. Levando o dedo aos lábios, ele faz para ela um sinal. Ela o entende e rapidamente pega o bebê que dorme como um anjo, em seu cesto de bambu pendurado ao lado da cama do casal.
Se dirigem para a sala onde sem uma palavra a mulher para, enquanto Bernardo entra no quarto onde dormiam suas duas filhas mais velhas. Pé ante pé, mergulha no silêncio e escuridão daquele quarto. Só seus olhos acostumados com a escuridão das noites nas serras conseguiam ver além da escuridão.
Com cuidado retira em seus braços a filha menor que dorme pesadamente, levando-a em segurança para a mãe. Volta e segurando a respiração se aproxima da filha mais velha retirando-a também para sala.
Finalmente de posse de sua fiel companheira uma espingarda de um cano só, que só lhe dava uma chance: acertar de primeira ou levaria um tempo para recarregar outro cartucho. Entrou no quarto das meninas e atirou: bam! O tiro ecoou quebrando o silêncio da noite na serra. Na cabeceira da cama das meninas jaz espatifada uma urutu, cuja picada mataria sua vítima. Não haveria socorro naquelas distantes serras.
De volta à sala respira aliviado! Mais uma noite se passava com ele velando o sono de seus filhos. E assim seguia a vida em meio a diversidade da natureza! Na luta pela sobrevivência!

Saída 284

Homenagem aos trabalhadores que sabem do que a poema fala. A saída 284 é a saída para Pinheiral - RJ vindo da Cidade de Volta Redonda - RJ.

Saída 284

Levanto ainda é noite, as estrelas estão céu.
Apressado, mochila nas costas, lá vou eu.
Ônibus lotados, corpos apertados, a massa.
Olho pela janela e lá fora o brilho do sol
Tinge de dourado o horizonte, a praça.

Pessoas apressadas que de tanta correria
Não se veem, chega por vezes a se trombar.
Pra onde vou, pra onde vai esta massa?
Quase chegando à histeria?
Ganhar seu pão de cada dia e sonhar.

Que sonhas companheiro nesta árdua lida?
Com o respeito e com a igualdade,
E o que mais desejo na vida
Que meu corpo não seja tão esmagado
Neste ônibus lotado
Quero a liberdade
De não chegar ao trabalho
já assim tão cansado.
Com escolas pras crianças até a faculdade
Com médicos a qualquer hora
Que houver necessidade,
Com minha casinha pronta e minha rua asfaltada

Soa o apito, mostrando que findou o dia.
A mesma pressa, a mesma massa,
Na rua que de gente fervia.

O mesmo ônibus lotado.
Na hora de voltar pra casa
Já me sinto anestesiado
Acabrunhado e cansado.
Olho meu reflexo na janela e levo um susto
O rosto enrugado e o cabelo branco
A boca amarga porque sei o custo.
Oh! Tempo que nem sempre é justo.

Olho para trás vejo meu rastro
E uma placa que anuncia
Saída dois, oito, quatro.
Sinto meu peito aquecido
Até amanhã companheiros!
É mais um dia cumprido.


Lucia da Siva Araujo

Coisas que o povo diz!

Deixar os sapatos virados para baixo é agourar pai ou mãe.
Deixar a bolsa no chão atrai miséria.
Passar por baixo de escada dar azar.
Parente é igual aos dentes, mordem a língua da gente.
Antes só, do que mal acompanhado.
Mais vale um pássaro na mão, do que dois voando.
Relógio que atrasa, não adianta.
Senta em cima do rabo, para olhar o rabo alheio.
O gato ruivo, do que usa cuida.
Nunca deixe o chapéu virado para cima.
A horta do vizinho é sempre mais verde.
Para fazer com que, uma visita indesejada vá embora, é só colocar uma vassoura com o cabo virado para baixo atrás da porta.
Jogar sal na chuva, faz com que ela pare.
Nunca diga: desta água não beberei.
Vão os anéis, mas ficam os dedos.
Pau que dá em Chico, dá em Francisco.
Por fora tanto chiado, por dentro pão bolorento.
Durmo com um olho fechado e o outro aberto.
Cão que ladra não morde.
Pobre é o rato, que nasce pelado e sem roupa pra vestir.
Quando a fome entra pela porta, o amor sai pela janela.
Quando um burro fala, o outro murcha a orelha.
De casa é prato e panela.
Pinto que acompanha pato, morre afogado.
Um porco,não quer ver o outro limpo.
Dois bicudos não se beijam.
Quando o gato sai, os ratos fazem a festa.
Muita trovoada é sinal de pouca chuva.
Quando vinhas com o fubá, já estava com meu angu.
Mato a cobra e mostro o pau.
Até mostrar que focinho de porco não é tomada...
Quem avisa amigo é.
Em terra de cego, quem tem um olho é rei.
Os cães ladram e a caravana passa.
Nem que a vaca tussa.
O mar não está pra peixe.
Fósforo é que perde a cabeça quando esquenta.
Isto é chover no molhado.
Quando ias para horta, eu já estava de volta.
Não tem o que fazer? Vá enxugar gelo.
Vê se estou na esquina.
Se melhorar, estraga.
Quem casa, quer casa.
Ao entrar em uma casa saia pela mesma porta.
Quem conta um conto, aumenta um ponto.
Devagar se vai longe.
A pressa é inimiga da perfeição.
Se o dono da casa não abrir a porta para visita ir embora, ela não volta.
O olho viu, a barriga pediu.
Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Escreveu não leu, o pau comeu.
Cobra que não anda, não engole sapo.
De grão em grão é que a galinha enche o papo.
Casa de ferreiro, espeto de pau.
O vício do cachimbo deixa a boca torta.
Um dia é da caça, outro do caçador.
É uma Maria vai com as outras.
O que o olho não vê, o coração não sente.
Estes ditos populares foram colhidos no interior do Estado do Rio, alguns vão pelo Brasil afora, outros estão se perdendo com o tempo. Estarei coletando mais destas pérolas passadas de boca em boca pelo povo. Quem souber de alguma diferente ou de outro estado é só colocar no comentário, que adicionarei com prazer.









Ressurreição


Que alegria o amanhecer
Cheio de promessas de vida
 O tempo passa e o entardecer
 Com ele vem o cansaço, a ferida
Tudo na escuridão mergulha 
É a noite, a morte o fim da vida!
Oh! tempo que se esvai
Rápido como o vento!
Por quê entre meus ais
Deixei passar o meu tempo?
Sem correr veloz como o vento
atrás dos meus ideais
Oh! Tempo que não volta mais
Nem um segundo sequer
Mas o que me faz     
 viver ainda querer
É que depois de uma noite
Há sempre um amanhecer.
E assim ressuscitamos a cada dia!

Pele de burro.

 Bernardo chegou e após cumprir o ritual de todos os dias, puxou uma cadeira e sentou-se na sala. Era verão e o clima ameno da serra fazia entrar pela  janela  uma brisa fresca. As crianças sentaram-se em um banco próximo a ele e esperavam pela história da noite. Desta vez Bernardo contou uma história de Charles Perrault denominada "Pele de Burro". Contou assim:
Era uma vez um reino muito lindo e com muitas riquezas, o palácio real era ornado com o brilho do ouro e das pedras preciosas. Seu jardim estava sempre florido e o perfume das flores invadiam o interior do palácio. A rainha era uma mulher muito bonita, não havia no reino beleza igual e o rei a amava muito. Eles tinham uma filha uma bela princesinha que vivia brincando feliz pelo palácio. Tudo era perfeito naquele reino. 
Até que um dia a rainha ficou doente. O rei mandou vir médico de todo os lugares que examinaram a rainha,mas não conseguiram descobrir a doença. Benzedeiras também vieram, mas ninguém conseguiu curar a misteriosa doença. 
Quase morrendo a rainha chamou o rei e fez com que ele  fizesse uma promessa: que não se casaria novamente,a menos que encontrasse outra rainha mais bela ainda que ela. O rei desesperado prometeu e logo a seguir ela morreu.
Foram anos de solidão e tristeza naquele reino, antes tão bonito. O rei nunca mais fora o mesmo, não se casou novamente, pois sempre lembrava de sua promessa à rainha em seu leito de morte, e a seus olhos não havia nenhuma mulher mais bonita que sua rainha. O sofrimento o transformou em um velho amargo, nem mesmo sua filha o alegrava e assim a bela princesinha cresceu sem que seu pai, o rei percebesse.
Até que um dia, a linda princesinha passeava pelo jardim do palácio, quando o velho rei a viu. Ficou deslumbrado com tanta beleza, aquela jovem era ainda mais bonita que sua rainha. Mandou chamar imediatamente a princesa e o que ele propôs a deixou desesperada, com certeza seu velho pai enlouquecera de tanto sofrer. Ele queria  casar-se com a princesinha,não se importando que ela fosse sua filha. 
A jovem ficou muito triste e chorava muito, não sabia o que fazer, o rei já tinha decretado que iria se casar com ela e palavra de rei não volta atrás. 
Uma fada que era sua madrinha foi vê-la e a aconselhou:
— Diga a ele que aceita seu pedido, mas antes ele terá que te dar de presente um lindo vestido, tão lindo como as profundezas do oceano.
Assim a princesinha fez e o rei concordou. 
Passou-se um tempo e o rei procurou em todo o reino pelo vestido, não achando nada parecido mandou vir das terras mágicas do oriente, homens sábios entendidos tanto na arte da confecção, como na arte da magia. Estes homens conseguiram fazer o vestido que a princesa pediu.
Foi com muita tristeza que ela recebeu o presente. O vestido era maravilhoso da cor do oceano e com peixes e criaturas marinhas que pareciam vivas de tão perfeitas. Quando andava a longa saia do vestido fazia ondas e nela pareciam nadar os peixes, era inacreditável, não havia em lugar algum algo tão bonito.
Chorando em seu quarto a princesa não conseguia admirar aquela obra de arte, foi aí que novamente apareceu sua fada madrinha e a aconselhou:
—Não chores linda princesa, vá e diga ao rei que para se casar com ele, terá que ter um vestido tão lindo quanto o dourado do sol.
Assim ela fez. Se apresentou ao rei e fez o novo pedido.
O rei mandou procurar por todo seu reino e não achou nenhum vestido tão lindo como o que a princesa havia descrito. Novamente recorreu a outros reinos e encontrou o vestido, era tão lindo e brilhante como o sol,tanto que quando a caixa se abria raios luminosos invadia a sala do palácio. A princesa pegou o vestido e se recolheu triste para seu quarto.
Sua fada madrinha não desistiu e a aconselhou:
—Vá e peça ao rei um vestido da cor da noite com o brilho das estrelas e o clarão da lua.
A princesa foi e pediu ao rei e ele mandou procurar em toda Terra e achou mais uma vez o vestido. Era ainda mais lindo que os outros, tinha a cor da noite e o brilho das estrelas e ainda o clarão da lua.
A princesa ainda mais triste se recolheu para o seu quarto.
A fada madrinha sabia de um segredo do rei, sabia que toda a sua riqueza vinha de um burro encantado, o qual ele tratava muito bem e não se afastava dele nem por um momento. 
—Vá princesa e peça ao rei a pele do burro.
A fada madrinha acreditava que o rei não ia aceitar se desfazer de seu burro encantado. Mas enganou-se, o rei mandou imediatamente matar o burro e deu sua pele para a princesa.
A fada madrinha não via outra solução e aconselhou a princesa a fugir do palácio e da loucura do rei.
— Pegue seus presentes e não esqueça de seu anel real, se esconda com a pele do burro e vá para bem longe.
Naquela mesma noite a princesa fugiu do palácio envolvida na pele do burro.
Andou por muito tempo e parou em um reino, bem longe do seu pai. Escondida com a horrenda pele de burro foi pedir abrigo neste reino. Aceitaram-na como criada e lhe deram uma casinha nas imediações do palácio para ela ficar.
A princesa começou a fazer deliciosos doces e bolos que vendia para o povo do reino, e assim ela vivia.
Ninguém a tinha visto como ela era realmente, pois só saía coberta com a pele de burro. Logo nas imediações do palácio os boatos corriam soltos de que a "Pele de Burro" como eles a chamavam era uma mulher muito feia, horrível mesmo e que ninguém poderia suportar olhar para ela.
Um dia o príncipe, o rapaz mais lindo da região saiu a cavalgar com seu lindo cavalo branco, até que se aproximou do casebre de Pele de Burro. Ficou intrigado quando ouviu uma linda melodia que vinha de dentro do casebre. Se aproximou curioso, como uma mulher tão feia como a Pele de Burro poderia cantar tão bem? Que linda voz! Foi se aproximando de mansinho e olhou pelo buraco da fechadura. Qual foi sua surpresa ao ver a linda princesa sem a pele de burro preparando os mais deliciosos doces e bolos.
Ficou encantado com tamanha beleza.
Voltou para o palácio e pediu a rainha que mandasse comprar doce e bolos da Pele de Burro. Ela relutou, pois havia no palácio muitos cozinheiros, renomados chefes, porque ele ia querer doces e bolos de uma criatura tão horrenda. O príncipe insistiu tanto, que a rainha mandou um de seus súditos ir até a casa de Pele de Burro e fazer a encomenda.
Na manhã seguinte a Pele de Burro chega ao palácio com deliciosos doces e bolos. O príncipe não tirava da cabeça aquela linda mulher que ele vira pelo buraco da fechadura. Tentou se aproximar de Pele de Burro e conversar com ela, mas ela se esquivou e após a entrega foi embora sem dizer uma palavra.
Na manhã seguinte, o príncipe sai a galopar com seu lindo cavalo branco, indo parar no casebre de Pele de Burro. Chamou-a dizendo que queria um doce como desculpa,pois o que ele queria ela vê-la e falar com ela. 
A princesa apareceu e o atendeu com a porta entre aberta e coberta com a Pele de Burro, porém quando ela estendeu a mão para entregar-lhe os doces ele viu em seus delicados dedos o anel real. 
Não havia mais dúvida, ele estava diante de uma linda princesa, disfarçada com aquela pele de burro.
Continuou o príncipe a encomendar doces e bolos com o pretexto de ver Pele de Burro e tentar conversar com ela, mas ela se mostrava sempre distante, coberta com a pele de burro só deixando ver suas lindas e delicadas mãos.
Aconteceu, que um dia o príncipe ao comer uma fatia do bolo que Pele de Burro fizera, encontrou nele o anel da princesa. Imediatamente mandou convocar todas as moças do reino dizendo que aquela, cujo anel servisse seria sua esposa. 
Foi uma festa no reino, todas as moças ricas e pobres se apresentaram, mas em nenhuma serviu o anel. 
O príncipe mandou chamar sua mãe, a rainha e disse que faltava uma moça no reino que não viera a seu baile. Pediu que ela providenciasse imediatamente alguém para buscar a Pele de Burro. A rainha protestou, seu filho estaria ficando louco, como ele poderia convidar para sua festa tamanha aberração.
Não adiantou e um mensageiro foi enviado ao casebre de Pele de Burro com a incumbência de trazê-la ao palácio.
A princesa pediu um tempo para se arrumar, cuidou de seu lindos cabelos, se perfumou e colocou o vestido mais lindo que seu pai lhe dera de presente. Quando saiu o mensageiro se assustou com tanta beleza, mas tratou de levá-la imediatamente ao palácio.
Ao chegar todos os olhares se voltaram para ela, como poderia aquela mulher tão bonita ter ficado escondida todo este tempo naquela pele de burro.
Aproximou-se do príncipe e estendendo sua mão, ele colocou o anel que encaixou perfeitamente em seu lindo e delicado dedo. 
Pronto ele havia encontrado sua linda princesa e Pele de Burro foi feliz para sempre ao lado de seu príncipe.