HISTORIAS

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A vingança do Caipora



Quando ao amanhecer ou ao entardecer
 a neblina cobria a serra com seu manto branco, que não deixava ver um palmo diante do nariz, Bernardo dizia que aquilo era a fumaça do cachimbo de um CAIPORA que habitava o sertão, atrás daquelas serras.

 As crianças ficavam curiosas e amedrontadas com esta história e procuravam logo o aconchego da casa e o calor que vinha das chamas da lenha queimando no fogão. Mas, de vez em quando, eles se aventuravam e olhavam da janela lá longe, atrás das serras onde estava a fumaça, que andava ao sabor do vento fazendo movimentos como as baforadas de fumaça soltas pelos cachimbos dos mais velhos quando pitavam.
- EH! Pensavam eles, deve mesmo ser um monstro para soltar tanta fumaça de uma vez só de seu cachimbo, e o cachimbo deve ser muito grande mesmo!
 E Bernardo contava esta história:
" Há muito tempo atrás, aconteceu um caso muito estranho naquelas serras: começou a sumir caçador! Ele mesmo perdeu muitos dos seus companheiros de caça nesta época. Saiam para caçar e quando surgia àquela fumaça eles desapareciam e não voltavam nunca mais. O medo apavorava os moradores, ninguém queria sair mais para caçar e os pequenos animais que viviam ao redor da vila, já estavam sumindo deixando faltar carne para as famílias dos caçadores. A situação estava ficando fora de controle e alguém teria que fazer alguma coisa. Foi aí que dois compadres muito valentes, resolveram subir a serra e descobrir o que havia por trás daquela fumaça toda.
Saíram cedo ao nascer do sol, com suas espingardas carregadas e muita munição na mochila. Tomaram o caminho da subida da serra, sumindo na mata e naquela tenebrosa neblina.

 Naquela época do ano anoitecia mais cedo e o frio logo tomava conta de todos, fazendo-os esconderem-se em suas casas para se aquecerem. As mulheres se reuniram e rezaram pela volta dos dois compadres sãos e salvos. Os homens ficaram calados e um silêncio se fez tão profundo como o frio daquela noite, onde só se ouvia as vozes das mulheres em súplicas aos céus. 

As crianças procuraram dormir bem pertinho do fogo que aquecia e iluminava a casa. As velas acesas colocadas nas janelas das casas pareciam estrelas que brilhavam no céu, mostrando o caminho da vila aos dois valentes compadres.

Os dois caminharam o dia todo e quando a noite caiu já estavam no alto da serra, no meio do sertão. Acamparam, fizeram um rancho de palhas e  cansado um dos compadres se jogou em uma esteira feita de palha no chão do rancho. O outro ainda disse:
- compadre! Vamos pendurar a rede no alto! Assim ficaremos mais protegidos, afinal não sabemos com o que estamos lidando! Mas o compadre que estava muito, mais muito cansado não ligou para os apelos de seu compadre e continuou a dormir ali mesmo no chão do rancho.

Altas horas da noite o frio e a escuridão tomava conta de tudo, foi quando o compadre que dormia em sua rede pendurada no teto do rancho, começou a ouvir uns passos ao longe. Não! Aqueles não eram passos de um ser humano, árvores inteiras eram arrancadas a cada passada daquele estranho ser, e se sentia o tremer da terra, com a aproximação cada vez mais daqueles passos.
O compadre lá de cima tentou acordar o outro, o chamando baixinho, mas já era tarde. Irrompeu por entre as árvores um monstro enorme com um cachimbo na mão, uma lança na outra e montado em um enorme porco selvagem. Gritava ele:
-Ah! Ah! Ah! Ah! Quero pitar! Pegou uma parte da palha do rancho e enfiou em seu enorme cachimbo. Acendeu e soltou uma enorme baforada que cobriu toda a serra. O compadre lá de cima a tudo via com muito medo e muito quieto quase sem respirar, para não correr o risco de fazer barulho, pois só então ele reconheceu o temido Caipora. Foi quando o monstro voltou-se e gritou mais alto ainda:
- Ah! Ah! Ah! Ah! Ainda quero pitar. E em um só golpe de sua enorme lança arrancou a cabeça do compadre que estava dormindo no chão, jogou ela para um lado com as tripas e tudo e pegou o resto de seu corpo enrolando nas palhas. Colocou em seu enorme cachimbo e saiu soltando enormes baforadas encobrindo toda aquela serra.
O outro compadre tudo vira lá da sua rede pendurada no alto, ficou quietinho ali encolhido até que o raio do sol fez dissipar aquela nuvem de fumaça. Desceu pegou suas coisas, ainda olhou para a cabeça com as tripas de seu compadre e saiu de mansinho.
Começou a descer a serra. Se andasse bem, chegaria à vila ao anoitecer, mas de repente ouviu um barulho de alguma coisa que rolava atrás dele serra abaixo, voltou-se e o que viu o apavorou muito: a cabeça com as tripas de seu compadre rolava atrás dele e dizia:
- ô compadre espera aí! Viemos juntos, vamos juntos!   
Ele correu muito e quanto mais corria, mais ouvia os gritos e o rolar da cabeça de seu compadre dizendo:
- pera compadre! Viemos juntos, vamos juntos!
Bem! Ele desceu a serra correndo tanto, que se perdeu mata adentro. Não conseguindo achar o caminho de volta para casa.


 Dizem que até hoje em noite de neblina ainda se vê a fumaça do cachimbo do Caipora, ouvem o rolar da cabeça do compadre e os passos apressados do outro que continua correndo sem parar. E se ficarmos ainda mais quietinhos certamente, ouviremos:
- pera aí compadre viemos juntos vamos juntos!"

E nunca mais os caçadores invadiram a mata sem pedir permissão de Caipora e caçarem só  aquilo que era necessário para sobreviverem.