Contar a História de
Bernardo é também contar um pouco da História do Brasil, do começo da
industrialização e de como algumas pessoas deixaram o campo para viverem nas
cidades grandes ou mesmo nos pequenos vilarejos. Bernardo e mais ou menos
quinze famílias, que se desdobravam em um número muito maior, pois os filhos
iam se casando e formando suas famílias, vivia da terra, daquilo que plantavam,
dos animais que criavam e assim viveram por muito tempo, até não lembrarem-se mais,
de como chegaram ali. Bernardo contava que, seus avós e os avós de seu pai já
habitavam aquelas terras. Sua esposa tinha umas imagens guardadas em um
oratório, onde à sua frente realizavam-se as rezas. Sempre dizia que aquelas
imagens eram muito antigas, do tempo do dilúvio.
O local onde viviam era o alto
da serra, entre a atual Lídice e Angra dos Reis. Lídice pertence ao Município
de Rio Claro, o qual não se tem uma data precisa da ocupação de suas terras.
Segundo publicação no site oficial da Prefeitura de Rio Claro, os seus
primeiros habitantes naturais foram os índios Puri, também chamados Coroados.
O povoado de Rio Claro e São
João Marcos começou provavelmente por volta dos séculos XVII e XVIII. A
colonização começou quando se procurava um caminho pelas serras até Minas
Gerais através do Rio Paraíba. Os índios ofereceram resistências e houve muitas
lutas. Nos caminhos desbravados pelos colonizadores foram surgindo os povoados
com estalagens, roças e pequenos comércios.
Grandes fazendas foram se formando e um
tráfico de tropeiros significativos que utilizavam provavelmente as trilhas
abertas pelos índios. São João Marcos foi fundada em 1933 com a instalação de
uma fazenda por um colonizador português. Veio a se emancipar em 1804.
Rio Claro aparece em 1846,
com o caminho de São João Marcos a Pouso Seco. A chegada, no século XVIII, da
família portuguesa com seus colonos marca o início de Rio Claro e Lídice.
Lídice chamava-se Santo Antônio do Capivary. A agricultura foi incentivada no
início do século XVIII, devido à queda da mineração.
Com a chegada da família
real ao Brasil houve medidas liberalizantes para o comércio, interno e externo,
pois havia a necessidade de abastecer a corte e de ocupar de modo ordenado a
terra. Em São João Marcos houve o reforço de várias culturas como: açúcar, arroz,
anil e fibras vegetais. No seu entorno vários povoados foram surgindo. O café em
1835 já passa a ser exportado. Plantado inicialmente na província do Rio de
Janeiro e em Resende, Vassouras, Barra Mansa, São João Marcos e Passa Três. Sua
produção foi se deslocando para o Vale do Paraíba, chegando em 1860 a Cantagalo
e Paraíba do Sul.
A produção de café ocupou
grandes extensões de terras e mão de obra escrava. O café era escoado para
Mangaratiba e uma estrada foi construída para ligar estes dois núcleos. As
fortunas conseguidas pelos Barões do café nesta região pode ter como exemplo a
do Comendador Joaquim Breves que possuía 30 fazendas e 6.000 escravos, foi
talvez o maior escravista do século XIX. Suas fazendas estendiam-se pelos
municípios de Mangaratiba, Resende, Barra Mansa e Rio Claro. Em São Paulo,
Bananal e Areias. Nessa época podia-se ir do oceano a Minas Gerais sem sair da
terra do Comendador, Breves. Para acompanhar o crescimento das plantações e o
aumento de trabalho, tornou-se contrabandista de negros africanos. Tinha
ligação com os maiores traficantes de escravos, mesmo depois da proibição do
tráfico negreiro ainda continuou trazendo navios com escravos, escapando do
controle britânico e brasileiro.
Voltei na história, para
entender melhor a origem de Bernardo e seu povo, origem esta que, nem ele mesmo
sabia.
Com a crise que atingiu a
economia cafeeira, que declinou devido à queda do preço internacional do café,
entre 1930 e 1945, o país começa uma nova etapa conhecida como o Estado
Getulista. Getúlio Vargas lança as bases para a indústria nacional, com o
Estado atuando como empresário e regulador dos setores econômicos. Em
30/01/1941 o Presidente Getúlio Vargas assina o Decreto autorizando a criação
de uma grande siderúrgica na região: a CSN. Houve entendimentos diplomáticos
com Washington e com a iniciativa privada americana, que em meio à segunda
guerra mundial tinham interesse na construção da siderúrgica. A assembleia de
09 de abril de 1941 foi comandada pelo empresário Guilherme Guinle que viria a
ser o primeiro presidente da CSN. A CSN foi inaugurada em 1946, pelo então
presidente Eurico Gaspar Dutra.
“O brasileiro humilde e trabalhador mal sabia
o que era uma siderurgia
com seus enormes altos fornos
quando o Brasil entrou na era do aço.” (Alfredo Herkenhoff, 2011).
com seus enormes altos fornos
quando o Brasil entrou na era do aço.” (Alfredo Herkenhoff, 2011).
Muitos trabalhadores da área rural abandonam o campo e vem para a cidade em busca de melhores condições de vida.
O ferro e o aço que
simbolizava o avanço da indústria, do progresso, avança pelo século XXI como um
dos pilares da economia brasileira, apesar da crise internacional que atingiu a
siderurgia segundo André Campos, produtos feitos desses metais seguem
desempenhando papel-chave na balança comercial.
Também segundo André Campos
a siderurgia no Brasil conta com capítulos menos nobres, com impactos
socioambientais, pouco divulgados. Um deles está diretamente relacionado à
matéria-prima na cadeia produtiva do setor: o carvão vegetal.
É neste ponto que volto mais
uma vez à família Bernardo, vivendo embrenhados na serra, foi surpreendido por
homens com tropas de burros que invadiam suas plantações destruindo tudo pelo
caminho como um bando de gafanhotos. Tais homens, diziam ter ordem do governo
para derrubar a mata e fazer carvão para a CSN. Eles os Bernardos sabiam que
viviam em terras devolutas, o que em sua ingenuidade eles não sabiam, é que
eles tinham o direito de continuar ali, sem serem importunados pelos
carvoeiros.
Bernardo que vivia livre via
sua terra ser invadida, tudo estava destruído. As plantações de milho jaziam
pisadas pelos burros. Como maior ironia o que restou foi trabalhar para os
carvoeiros, saía com o dia ainda por clarear e voltava à noite com suas roupas
molhadas pela garoa fina da serra. No final do mês, não havia dinheiro para
receber, tudo ficava para pagar uma comida tão ruim, que eles mal comiam. Arroz
e fubá mofado substituiu aquele fresquinho que ele colhia em sua roça. Foi uma
desgraça. Sem ajuda de ninguém, a alternativa foi dispersarem-se. Bernardo foi
trabalhar na construção da estrada Angra-Getulândia. Outros foram trabalhar na
ferrovia Estrada de Ferro Oeste de Minas.
Um irmão de Bernardo desceu
a serra em direção a Angra dos Reis conseguindo lá um pedaço de terra o qual
fez produzir e nele viveu até sua morte, foi o único que conseguiu a posse da
terra. Sua irmã casou-se e seu marido também foi trabalhar na estrada, vivendo
por toda vida em suas margens já no Município de Angra dos Reis. Ela morreu aos
oitenta anos, tendo como último desafio o despejo feito pelo fazendeiro da
região. Seus filhos entraram na justiça e conseguiram um pedaço de terra e a
construção de suas casas, onde ainda vivem juntos em um mesmo lugar, mas a
matriarca não viveu o bastante para ver sua vitória.
Seu irmão mais velho foi
para o Rio de Janeiro e lá ficou até morrer.
Bernardo ficou em Lídice,
comprou um pequeno lote de terra e construiu uma humilde casa, trabalhava no
DNER-RJ e nas horas vagas plantava de terça em uma várgea localizada abaixo de
seu lote, assim ele criou seus filhos. Desses apenas uma permaneceu em Lídice
os outros foram viver na cidade. Perderam suas raízes, suas identidades de
pessoas da terra, não sabem mais cuidar ou sobreviver em uma área rural.
Sobre
o carvão vegetal, ainda hoje parte provém das matas nativas, feitos em fornos
rústicos. Nas regiões de fronteira agrícolas do país desmatamento, trabalho
escravo e conflitos territoriais são alguns dos problemas associados a esses
empreendimentos. Um obstáculo indigesto às pretensões de viabilizar novas
fábricas baseadas no carvão vegetal. Impactos socioambientais, acidentes com
farpas, esforço muscular acentuado, muita fumaça, calor e fuligem são alguns
dos elementos típicos do carvoejamento. Além disso, as carvoarias são palco de
denúncias frequentes envolvendo jornadas excessivas, alimentação inadequada,
alojamentos insalubres e a corriqueira falta de carteira assinada. Acontecem
situações mais graves como a retenção de salários por supostas dívidas, onde o
trabalhador é coagido a permanecer no serviço para pagar alimentação,
transportes e outros alegados pelos patrões. Estas situações fazem com que, os
donos de carvoaria marquem uma presença significativa na lista suja do
Ministério do Trabalho e Emprego. (André Campos, 2009).
A reforma Agrária no Brasil
caminha lentamente, a pesquisa do IBGE em 2009 revelou que 36% de todo
território nacional do Brasil são destinados à agropecuária. O que representa
330 milhões de hectares, desses 141,9 milhões de hectares são latifúndios.
A partir do fim da ditadura
militar e da retomada da democracia, os camponeses puderam se reorganizar e
retomar sua luta histórica pela reforma agrária. O MST é um desses movimentos.
O Brasil continua com
uma imensa dívida social, para com aqueles que foram por muitos tempo
esquecidos, e ainda hoje lutam por um pedaço de terra para morar e dela tirar o
sustento de suas famílias.
Continua as cidades inchando cada vez mais, de maneira desorganizada gerando miséria e violência.
Continua as cidades inchando cada vez mais, de maneira desorganizada gerando miséria e violência.
Bernardo morre aos 63 anos, mas nunca esqueceu suas histórias e seus casos, de vez em quando ainda sonhava com um pedaço de terra para plantar. Seus olhos verdes, aos poucos foram perdendo o brilho, até se fecharem para sempre.
Por isso me dedico a contar suas histórias,
Bernardo continuará vivendo através delas...
Hino dos sem terra. Vale a pena ouvir!
Sem Terra - MST - documentário de Cesar Conventi
Referências Bibliográficas.
Herkenhoff, Alfredo. História da CSN em seus 70 anos. Disponível em http://correiodalapa.blogspot.com.br/2011/04/historia-da-csn-nos-seus-70-anos-de.html.
Acesso em 02/04/2013.
MST
Movimento dos trabalhadores rurais sem terra. Disponível em Wikipédia pt.wikipedia.org/wiki/movimentos_dos_trabalhadores_rurais_sem
terra.wikipédia. Acesso em 11/04/2013
Campos,
André. Carvão vegetal no rastro da siderurgia. Disponível em www.sescsp.org.br/sesc/revista_sesc/pb/artigo.cfm?edição_id=344&Artigo_ID=5366ID
problemas brasileiro nº 394 julho/agosto 2009. Acesso em 05/04/2013.
Silva,
Júlio Cézar Lázaro, Resumo Histórico – Econômico do Brasil: o fim do
colonialismo e o capitalismo tardio. Disponível em www.brasilescola.com/geografia/resumo-histórico-econômico-brasil-fim-colonialismo-capitalismo.htm
Acesso em 11/04/2013.
Amorim,
Karolynne Silva. A legitimação da posse sobre terras devolutas. Jus Navigandi,
Teresina, ano 15, nº 2618, 1 de set. 2010. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/17310.
Acesso em 28/03/2013.
História do
Município de Rio Claro. Disponível em http://www.rioclaro.rj.gov.br/Municipio/historia.php
acesso em 05/04/2013.
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