Naquele dia, o nevoeiro baixara tão denso que não dava para ver a entrada do terreiro. Estava esfriando e a noite prometia ser escura e fria.
Em casa as crianças ficavam perto do fogão para se aquecerem, enquanto a mulher de Bernardo fazia a comida: arroz, feijão, angu e um franguinho com quiabo. O cheiro estava tão bom que todos esperavam Bernardo ansiosos. O cheirinho de café fresquinho enchia toda a cozinha, era a primeira coisa que ele procurava ao chegar: um cafezinho.
De longe se ouviu um assovio, que lentamente se aproximava da porta da cozinha. Ninguém temia aquele tão conhecido assovio era Bernardo chegando.
Os filhos um a um pedia a benção, ele respondia: Deus te bençoe. Tinha a mania de abreviar as palavras como todos dali.
Sentou-se pegou uma canequinha de café e bebeu devagarinho. Sentindo em cada gole o prazer daquela bebida deliciosa.Após o jantar, as crianças juntaram ao seu redor para ouvir suas histórias. Ele olhou a escuridão da noite, a luz fraca do lampião e aquelas brasas, que do fogão aquecia toda a cozinha. Disse:
- é numa noite assim que as assombrações saem a vagar sem rumo por aí ou as vezes encontram um canto e ficam a assombrar quem passa por ali.Vou contar para vocês uma destas histórias:
" Era uma vez, um rapaz chamado João que era viajante. Vivia de suas viagens e dos negócios que fazia nos lugares que passava. Um dia ao cair da tarde chegou a um pequeno vilarejo, estava cansado e resolveu procurar um lugar para pernoitar. Bateu palmas em várias casas pedindo pouso, mas todos diziam que não havia lugar. Até que foi informado que havia uma velha casa abandonada e que se ele quisesse poderia passar a noite ali. Ainda o advertiram:
- mas tome cuidado, pois ninguém que lá dormiu, voltou para contar como foi. Dizem que a casa é mal assombrada e que quem entra nela nunca sai.
João era muito astuto, nada temia e respondeu imediatamente:
- pois é lá mesmo que vou posar!
E lá foi o rapaz para a casa abandonada, chegando já com a noite . Naquela noite não havia lua e nem uma estrela brilhava no céu. Um vento frio assoviava cortando a velha casa fazendo bater suas portas e janelas e ranger as velhas vigas feitas de grossa madeira.João tirou de sua mochila dois cobertores, aproveitou umas palhas que havia ali e fez com elas um lugar para dormir. Forrou aquelas palhas com um dos cobertores e se cobriu com o outro. Já ia pegando no sono quando uma voz horripilante ecoou por toda a casa:
- ai eu caio!
João meio sonolento não deu muita importância e continuou no mesmo lugar. A voz mais pavorosa ainda grita:
- ai eu caio!
João levanta-se e vai ver o que era aquilo. Acendeu uma lamparina e caminhou para o lugar de onde vinha a voz. Novamente ele ouve vindo da cumeeira da casa aquela terrível voz:
- ai eu caio!
João responde: - que caia.
Logo a seguir despencou do teto um braço em grande estado de decomposição. O rapaz nem se abalou e já ia voltando para o lugar de dormir, quando ouviu novamente:
- ai eu caio!
Mais uma vez ele responde: - pode cair.
E eis que despenca outro braço Assim continuou aquele horror por algum tempo: caiu uma perna, outra perna, o tronco, sempre esperando a permissão de João para cair. O rapaz já estava irritado, voltou para seu aconchegante ninho improvisado, enrolou-se no cobertor apagou a lamparina e pegou no sono. Logo foi acordado com aquele gemido que cortava toda a casa e a voz arrepiante dizendo mais uma vez:
- Ai eu caio!
João responde zangado:
- que caia tudo de uma vez e me deixe dormir em paz!
Ouviu um barulho, algo despencou mais uma vez do teto. Voltou a dormir e só acordou quando o primeiro clarão da manhã já tingia o horizonte. Espreguiçou-se e sentiu uma estranha sensação, ele não estava só naquele lugar. Acendeu a lamparina e viu a coisa mais horrível que seus olhos já vira. Aqueles membros haviam se juntado e formado um estranho homem: sua cabeça com metade dos cabelos caindo, os olhos saindo para fora, a pele escura por onde via se mexendo muitas larvas. Exalava um cheiro forte de um corpo em estado de putrefação. O rapaz não ficou com medo, mas seu estômago revirou com aquela visão. O estranho ser disse:
- vou te dar um conselho, se não quiser que nada de mal te aconteça, ao sair daqui, siga em frente por um caminho que começa atrás dessa casa. Siga-o até encontrar uma fazenda abandonada. Não pare em lugar algum se não quiser sofrer uma terrível consequência.
João pegou sua mochila e saiu da casa pelo lado que o ser indicara. Logo viu o caminho meio encoberto pelo mato. Seguiu por ele.Caminhava pensando naquela noite inusitada.
Andou, andou até que se deparou com um pequeno lago todo sujo, suas águas estavam barrentas e nela um peixinho se debatia quase sem conseguir nadar. Ele parou, esqueceu o que havia dito o estranho ser e começou a limpar o lago. Tirou toda a sujeira, galhos podres e deixou o lago limpinho. O peixinho começou a nadar feliz da vida. O rapaz só então prosseguiu sua caminhada.
Andou e o sol já estava alto no céu quando deparou-se com um estranho pomar de laranjas, em meio aos pés de laranjas, estranhas pedras como se fossem esculturas de gente. Estava cheio de ervas daninhas, cipós e espinhos. Mais uma vez ele esquece de tudo, pára limpa os pés de laranjas, as pedras e desentope um pequeno veio de água que passava por entre o pomar. Tudo limpo e com água os pés de laranjas pareciam reviver. Cansado do trabalho sentou em uma das pedras, tirou um pedaço de pão e comeu.Bebeu um gole do vinho que trazia em uma garrafa e já ia se preparando para seguir em frente quando avistou a fazenda abandonada. Estava a poucos metros e envolta em cipós, mato e espinho. Pegou seu facão e foi entrando cortando os cipós, o mato e os espinhos. Chegou à porta abriu-a e entrando encontrou os móveis todo coberto pela poeira. Limpou tudo e consertou aquilo que estava quebrado.
Ficou ali trabalhando sozinho e já via o resultado de seu trabalho. A fazenda estava uma beleza, as flores estavam abrindo e o pomar de laranjas floria com seu perfume inebriante. Já aparecia por ali alguns passarinhos que cantavam de manhã, borboletas e abelhas que voavam por entre aquelas flores colhendo o néctar. Tinha trabalhado muito e muito havia ainda por fazer.
Mais um dia findara e ele cansado repousava em um dos quartos da grande fazenda. Cochilou e acordou com um homem a olhar fixo para ele. Levantá-se em um pulo. O homem com um olhar de gratidão começa a falar:
- João eu sou a assombração daquela casa abandonada, fui condenado por uma bruxa malvada a viver lá, até que alguém valente como você viesse ao meu encontro e me ouvisse.Os outros eram covardes e por isso morreram. Você fez tudo que alguém com um coração puro faria: limpou o lago, nem que nele houvesse apenas um peixinho, limpou o pomar sem saber que já estava perto do seu destino e não se importou com a ameça que eu fiz, para seguir seu caminho sem parar em nenhum lugar. Quando foi necessário tomou sua própria decisão mostrando mais uma vez sua coragem. Limpou a casa e cuidou de tudo. De hoje em diante, o feitiço da bruxa foi quebrado. Eu sou um grande rei e toda a terra que você viu e além dela pertence ao meu reino. Aquelas estranhas pedras que você tão gentilmente as limpou e preservou são minhas três filhas e meus criados que aqui permaneceu até que eu fosse libertado.
João pensou estar sonhado com tudo aquilo, mas ao amanhecer ouviu barulho na grande casa, vozes e risadas felizes. Desceu as escadas e percebeu que estava em um magnífico palácio com muitos criados. Logo veio em sua direção aquele homem com quem falara.Vestido com suas vestes reais e com três lindas princesas.
O tempo passou. João convidado a ficar permaneceu junto ao rei ajudando-o em tudo. Se apaixonara pela filha mais linda do rei e ela retribuiu seus sentimentos. Casaram e seu casamento foi o mais lindo daquele reino com tudo de melhor: músicas, comidas e bebidas.
E assim viveram felizes para sempre!
Glossário
Terreiro- um quintal muito grande
pouso ou pousar - lugar para dormir
cumeeira - lugar mais alto do telhado
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