O Reino da macacada
Mais um dia de labuta terminara, Bernardo chega, e pelo assovio
sua família já sabe que é ele. Ele tinha este hábito, vivia assoviando. O
ritual era sempre o mesmo, queria saber de todos. Os filhos um a um pedia-lhe a
bênção e se algum demorasse em aparecer ele queria saber onde estava.
A água
morna para a higiene, que a cada dia era um
filho que trazia: a bacia, a vasilha com água que era despejada em suas mãos.
Ele lavava as mãos, o rosto e depois colocava os pés naquela água morna. Quando
terminava alguém ia jogar a água fora.
Contando hoje em dia, com os nossos
costumes modernos parece um absurdo e até um abuso, certamente alguém pensará:
- Que homem folgado!
Mas, naquela época, na cultura de
Bernardo, esta cerimônia não era visto assim. Era antes uma honra para o filho
que despejava a água nas mãos do pai, era um sentimento de cumplicidade, de
carinho naquele gesto simples. O pai
estivera ausente o dia todo cuidando do sustento da família, e precisava de
cuidados. O jantar, o café e o cigarrinho que ele mesmo fazia.
Os seus olhos de um verde amarelado
parecia uma folha caída no início do inverno. Seu corpo não era de um atleta,
embora não fosse gordo e tivesse bom peso para sua altura, mas tinha um andar
meio desengonçado, pendendo para frente e para trás, típico dos caboclos.
Mas deixemos Bernardo e vamos ao que
interessa mais uma das histórias que ele contava:
Era uma vez, uma família que tinha três
filhos. Um dia o pai os chamou e disse:
- meus filhos vocês já
estão homens feitos, precisam sair e procurar fazer fortuna e arrumar uma boa
moça para se casarem.
O pai deu aos três filhos
uma quantia igual de dinheiro, alimentos para a viagem e os despediu dizendo:
- não voltes antes que
cumpra tudo o que pedi.
Os rapazes saíram a vagar em busca de
riqueza e uma boa moça para casar. Chegando a um lugar, encontraram uma
encruzilhada com três caminhos diferentes. Decidiram que, cada um ia seguir por um
caminho daqueles. O mais novo viu que um dos caminhos estava cheio de mato,
como se há muito tempo não passasse viva alma por ali e decidiu:
- vou por este caminho.
Seus irmãos riram da
decisão dele, imagine pegar o pior caminho e assim se separaram marcando uma
data para voltarem para a casa.
O jovem caminhou vários dias por aquele
caminho sem encontrar ninguém. Já estava ficando preocupado quando avistou a torre
de uma construção.
- Vou para lá.
Pensou ele. E caminhou mais um dia e uma noite
até se aproximar de uma espécie de portão, que parecia a entrada de uma cidade.
Andou e cada vez mais ficava impressionado com o que via. Realmente, ele estava
sem dúvida em uma antiga cidade, mas não havia viva alma, só macacos por todos
os lados. Caminhou ainda por várias horas até que cansado sentou-se e acabou
adormecendo. Qual foi sua surpresa quando acordou e viu à sua volta inúmeros
macacos e uma macaquinha que parecia comandar os outros. Eles tinham lhe
trazido inúmeras frutas e faziam gestos para que ele comesse. A macaquinha,
muito esperta sentou-se a seu lado e servia as frutas.
Daquele dia em diante, ela foi sua
companhia para todos os lugares daquela estranha cidade. Apesar de se encontrar
com o mato envolvendo todos os prédios, dava para ver sua riqueza e como era
bela. Tinha um rio que a cortava ao meio, com suas águas límpidas. Frutas havia
de toda espécie, desde as mais comuns até as mais exóticas.
O jovem ficou por ali e não tinha vontade
de voltar, estranhamente ele havia se apegado aqueles tão diferentes e
estranhos macacos. Os dias passaram depressa e ele tinha que voltar, foi aí que
percebeu que não tinha cumprido sua missão. Como retornaria de mãos vazias para
sua família, como explicar aquela estranha sensação de felicidade que sentia
naquele lugar.
A ideia de ter que retornar o deixava
triste, e a incrível macaquinha parecia perceber e não o largava, estava sempre
por perto, acariciava seu rosto e passava as mãos em seus cabelos.
Ele adiou o quanto pôde sua volta. Até que resolveu voltar. Na
véspera apanhou muitas frutas que levou consigo.
Levantou cedo e preparou-se para a longa
viagem, sentiu-se com se estivesse abandonando sua própria casa. Saiu e nem
olhou para trás para não se arrepender. Caminhou um dia inteiro e qual foi sua
surpresa quando descobriu que a macaquinha o seguira.
E agora! - pensou ele -
estamos muito longe da cidade dos macacos e eu não posso mandá-la voltar
sozinha. Assim resolveu levá-la para casa de sua família.
Ao chegar a casa de longe ouviu barulho de
música e um alarido de festa. Logo deduziu que seus irmãos haviam retornado.
Entrou e seu pai foi encontrá-lo e logo foi dizendo:
- filho venha ver os tesouros que seus irmãos trouxeram! E você o
que trouxe?
O rapaz amarelou, seu coração estava
disparado, como ia dizer para o pai que falhara e só trazia umas frutas e uma
macaquinha. Mas, tinha que enfrentar a situação. No salão principal foi
encontrar seus irmãos com suas lindas mulheres, bem vestidas e ornamentadas com
joias de valor imenso. Aproximou-se os cumprimentando.
Eles o abraçaram e chamaram o pai,
estava na hora de mostrarem os tesouros que haviam juntado. Cada qual exibia os
mais lindos tapetes, joias de ouro e pedras preciosas e tudo de melhor que o
dinheiro podia comprar. Ele, quieto tudo via. Finalmente chegou sua vez de
dizer o que trazia, ele estendeu a cesta de frutas e a macaquinha pulou em seu
pescoço.
Os irmãos riram sem poder mais, que tesouro era aquele? O pai se
enfureceu e apesar do pedido de piedade da mãe, ele foi duro e deu a sentença:
- o filho o envergonhara falhando em sua missão, ele não o queria
mais como filho e muito menos em sua casa. A mãe muito implorou até que ele
disse, que se o rapaz quisesse que ficasse no galinheiro. Assim foi feito,
daquele dia em diante o jovem passou a morar no galinheiro com sua incrível
macaquinha.
Ele cada vez mais admirava a inteligência
do animal que fazia tudo para arrumar e ajudar a manter o lugar onde eles ficaram.
O rapaz, no entanto mergulhou numa tremenda tristeza, se sentia humilhado e
seus irmãos não perdia oportunidade de provocá-lo. Só sua mãe o tratava com
respeito.
Os dias passaram e a festa do casamento
dos irmãos fora marcada, mas eis que eles para aprontar com o jovem rapaz
chamou o pai e disse:
- pai nós saímos com uma missão e ao nosso modo de ver, todos nós
a cumprimos, cada qual com sua devida competência. Veja, eu e meu irmão
trouxemos tesouros e uma linda mulher, já o nosso irmão mais jovem também
trouxe: as frutas e a macaquinha que se tornou sua companheira inseparável. É
justo, pois que ele se case com ela.
Apesar dos protestos da mãe, o pai levou a
sério aquela maldosa brincadeira. Intimou que o filho mais jovem também se
casaria: com a macaca.
O jovem estava tão triste e humilhado que
não sabia nem reagir e concordou em fazer a vontade do pai.
Chegou o dia do casamento, os irmãos com
suas belas noivas e ele com a macaquinha vestida adequadamente para a
cerimônia. A multidão se acotovelava para ver aquele inusitado casamento. Os
irmãos mais velhos felizes da vida responderam o tradicional "sim".
Chegara a vez do jovem rapaz. Ele tinha um
coração tão puro, que apesar de toda aquela humilhação, nunca deixara de amar
aquela macaquinha que tornara sua fiel companheira em todas as horas. De
coração aberto segurando a mão da macaquinha respondeu um sonoro
"SIM", diante dos olhos curiosos dos convidados.
Qual foi sua surpresa e de todos, quando
uma nuvem branca encobriu a macaquinha e ela se transforma em uma linda
princesa, coberta de ouro e pedras preciosas. Ninguém acreditava no que estava
vendo.
A princesa com voz suave e um brilho de
felicidade no olhar falou:
- Eu sou uma princesa e
aquela cidade que você encontrou é meu reino e meus súditos, fui condenada por
uma bruxa que me lançou uma maldição que só seria quebrada se alguém me amasse
apesar da minha aparência. O jovem agora entendia melhor seus sentimentos,
pegou sua princesa e voltaram para seu reino que agora já não era mais uma cidade
abandonada e sim, um rico e próspero reino, os macacos eram fidalgos,
empregados da corte e damas de companhia, tudo como deveria ser num reino
encantado e assim viveram felizes para sempre.